
Garrett, descontraído na cadeira, de calças com cintura muito descaída e camisola grande e pingona, brinco na orelha e a mascar chiclete.
O entrevistador, vestido muito formalmente, dirige-se à câmara (ou aos ouvintes).
Minimilk: Viemos ao Porto, cidade natal de João Batista da Silva Leitão de Almeida Garrett, para ficarmos a conhecer melhor este ilustre escritor e autor da obra “Falar verdade a Mentir”. (pausa, volta-se para o entrevistado) Senhor Visconde de Almeida Garrett, desde já obrigado pela sua presença no nosso programa.
Garrett: ‘Tá-se bem!
M: É para nós um prazer receber um dos mais ilustres vultos da política, cultura e literatura portuguesas.
G: Acha? ‘Brigado!
M: (gaguejando) A… A… A… Bem… Vamos então à nossa primeira pergunta. (pausa) Aos 9 anos partiu para a Ilha Terceira por causa das invasões francesas. Que recordações tem desse tempo?
G: Não muito boas. Sabe… o tio que era bispo de Angra do Heroísmo queria que fosse padre. Mas, ‘tá a ver!, em vez de receber uma educação religiosa e clássica, gostava mais de ouvir a Joaquina a contar lendas. Oh pá… Era cada uma mais bacana. Elas eram bruxas, vampiros, feiticeiras… e, às vezes histórias de amor… ‘Tá a ver. Lembro-me da lenda da criação da Lagoa Azul e da Lagoa Verde…
M: Ah! Conheço. A Lagoa Azul e a Lagoa Verde formaram-se com as lágrimas de tristeza derramadas, no seu último encontro, por uma princesa de olhos azuis e o seu apaixonado, um pastor de olhos verdes, depois de o rei ter proibido o seu namoro.
G: É essa!
M: É sobejamente conhecido que defendeu que o contacto com as fontes nacionais populares era essencial à vitalidade da literatura e, por isso, levou a cabo uma regeneração da língua, conferindo-lhe uma naturalidade de que esta carecia e aproximando-a da oralidade. Com a mesma intenção, procedeu à recolha de temas e textos do folclore português, de que é exemplo o seu Romanceiro.
G: Se o Sr. o diz… eu acredito!
M: Sabemos que, por um lado teve uma vida cumulada de todos os triunfos no campo literário, político e social, mas por outro, foi dilacerado por desgostos íntimos.
G: Ya Ya Ya Eu… Eu sou um ganda escritor estadista, mundano com bué da triunfos literários, políticos e sociais, mas as garinas não são o meu forte…
M: Quais os momentos mais marcantes da sua vida íntima?
G: (começa a choramingar e atiram-lhe uma caixa de lenços de papel, gigante) Eu conto-vos mano…, eu conto-vos tudo… Era ainda um chavalo quando casei com Lu...Lu...
M: Luísa de Midosi. Aparentemente, foi um casamento mal sucedido. Mais tarde a sua companheira, Adelaide Pastor, morreu precocemente deixando-lhe uma filha ilegítima. Por fim, a sua paixão adultera pela Viscondessa da Luz.
G: Tou a crer que anda a ler revistas cor-de-rosa… Aquela mulher… (começa a abanar-se com a caixa dos lenços de papel) Olhe! P’ra ver como eu a curtia… Até lhe dediquei um rap. Mas perdi a música e só ficou a letra. Não percebo porque é que a consideram tão escandalosa! Era mais ou menos assim: (Garrett começa a recitar alguns versos)
Este inferno de amar - como eu amo!-
Quem mo pôs n'alma... quem foi?
M: Durante os anos 40, sob o regime autoritário de Costa Cabral, destacou-se na oposição. Num célebre discurso, considerou a minoria como representante da “grande nação dos oprimidos”. No entanto, o entusiasmo e o fervor militante foram-se exaurindo, perante a instabilidade política, o materialismo triunfante e o próprio desvirtuamento do ideal liberal. Que comentário se lhe oferece realizar a este propósito?
G: Fiquei triste com os acontecimentos e, prontossss… Em 1947 fui-me embora da vida pública e escrevi… escrevi… e acho que as escrevinhadelas saíram benzinho…
M: Acabou o nosso tempo. Foi uma entrevista inesquecível e deveras esclarecedora de alguns momentos cómico-trágicos da vida de Almeida Garrett. Muito obrigado pela sua presença e volte sempre.
G: ‘Tava a ver que não, mas pronto… na boa… ‘tamos juntos.